Nunca me identifiquei totalmente com o que me foi apresentado como feminino. Aos poucos fui me descolando do que era exigido de mim para representar esse tal feminino, e fui me identificando cada pouco mais com o tal do masculino, afinal nada me foi dado entre um e outro e se não me encaixava tanto em um só podia me encaixar noutro.
Neste limbo, que eu não admitia estar construía a forte ilusão de traços de transexualidade. Por tempos trouxe no peito densidade contida da dúvida sobre minha identidade de gênero, sem partilhá-la com ninguém, por acreditar que como ainda era dúvida tudo que fariam os outros seria julgar-me sem noção, desvalorizar minha angustia e tornar-me ainda mais confusa.
A poucos resolvi compartilhar com minha companheira e foi uma reviravolta em nossas vidas subjetivas. Mas muito diferente do meu julgamento inicial, ela me apoiou na minha duvida e me deixou navegar por alguns extremos da identificação com o masculino me dando espaço para perceber que eu também não me identifico com ... isso.
Engraçado que ao ler esse escrito pode se parecer de uma pessoa que nunca se apropriou dos estudos que discursam sobre a verdade profunda de que o feminino e o masculino foram meras invenções sociais , como tantas outras, usadas para controlar a sociedade e etc etc etc... E o engraçado é que eu não li tanta coisa assim mesmo não, porque existe coisa de mais escrita pelo mundo, mas li bastante, afinal eu queria mesmo entender, na esperança de que entendendo essas construções históricas, sociais, politicas, psicológicas e tudo mais, eu poderia sentir paz de ser quem sou, ou ao menos saber quem sou, finalmente e poder atuar no mundo.
Parentese - Porque sim, eu sinto que de alguma maneira eu espero saber quem sou para poder atuar no mundo de fato, o que é uma completa burrice emocional, uma vez que milhões de pessoas fazem barbaridades por ai e também brilhanticidades sem terem a menor ideia de quem são e sem se preocuparem inclusive de fingirem ser o que não são para terem seus objetivos atingidos. - Parentense
Bom, parenteses a parte, eu queria mesmo dizer no parágrafo anterior não-parentesal, que eu estudei bastante sobre o fato na tentativa de sanar uma angustia, e compreendi e concordo plenamente que feminino e masculino são construções da humanidade e deveriam ser transformados, mais ambicionamente quem sabe até superados.
Maaaas!!! Eis a questão que eu acredito compor a principal base da hipocrisia no ser humano: Acreditar, defender, concordar, e até mesmo elaborar uma tese não é igual viver, ser.
Eu acreditava e defendia, mas dentro de mim aquelas regras binárias todas faziam ecos tão fortes ao ponto de muitas vezes me deixarem desnorteada.
Na verdade eu ainda vivo a desconstrução desses. Como é fácil falar e como é dificil de fato realizar as mudanças internas que realmente sustentam as desconstruções racionais.
Uma vez ouvi a frase que a razão emburrece o homem. E como emburrece! Porquê levada muito a sério nos faz surda ao nosso próprio emocional, nos leva pra tão longe do que sentimos que passamos a usar da própria racionalidade para defender ou justificar nossa hipocrisia, e muitas vezes disfarçando e aprisionando cada vez mais nossos sentimentos para que ninguém perceba o quão hipócrita de fato somos.
Eu gostaria de convidar ao mundo a se religar com seus sentimentos e temer menos suas próprias contradições. Mas como o único mundo que alcanço é o meu, me contentarei com a continuidade deste meu desafiador exercício de desmascarar a mim mesma e assim ir desfazendo minhas amarras.
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