terça-feira, 11 de agosto de 2015

Nua

Eu decidi que iria dormir nua aquela noite.
Me despi e percebi que estava me despindo para mim mesma!  Não para alguém. Não por um motivo mecânico como me trocar, tão pouco para tomar banho. Estava me despindo para mim mesma!
Então me peguei pensando "sempre gostei de ficar livre e sem roupas, por qual motivo sinto que esta é a primeira vez que faço isso?"
 De fato nunca houvera feito aquilo antes. Não daquela forma. Gostava de ficar sem roupas, mas isso apenas acontecia depois dos banhos, ou entre trocas de roupas.
 Minha mente foi muito rápida ao me responder prontamente o porque nunca tinha feito aquilo antes. Respondeu ecoando frases dita por meus pais em diferentes momentos da minha infância quando eu os questionava do porque eu tinha de por roupa para dormir " Dormir sem roupa faz o espirito fugir do corpo." "Dormir sem calcinha e sem camiseta atrai assombração." "Dormir sem roupa faz pegar resfriado."
 (Essa última frase veio em momentos mais próximos da adolescência em que eles não sabiam se eu acreditava ou não em realidades 'extra-materiais'.. rsrs)
Fato é que sem perceberem, e com certeza sem nenhuma pretensão perversa, meus pais estavam me ensinando aquilo que aprenderam: "Eu não podia amar meu corpo, deveria escondê-lo e não dar a ele muito prazer, pois estes prazeres da carne são pecaminosos." De quebra eles foram também me levando a acreditar que meu corpo era feio, e só poderia ser apreciado se bem enfeitado por roupas e tantas coisas mais.
 Eu não me dei conta de nada disso até aquele momento em que escolhi ficar nua. Foi então que decidi escrever sobre aquela epifania. Peguei o caderno, a caneta e sentei na cama para escrever.
 Sentei com as pernas dobradas em x, e naturalmente a sola do meu pé ficou próxima a minha genitália. Eis a questão!!!!! Outra epifania!
Freud foi um cara esperto quando colocou a sexualidade no centro das questões dos homens.
 Ao perceber meus próprios pés perto da minha própria genitália, minha mente foi ligeira na repressão, me avisando dos "perigos de saúde" que eu corria ao deixar pés perto da minha vagina. Minha resposta a minha mente: "NEUROSE, FILHA DA PUTA!"
  Eu decidi não mover meu pé para longe. Aquele pensamento estava errado! Meu corpo é meu templo, e minha vagina não deve ser assim tão vulnerável ao mundo externo! Tão pouco meu pé tão repleto de sujeiras! E porque é que o pé ainda a pouco lavado causaria mal?
 Obviamente! Eu fui criada para viver uma sexualidade aprisionada, para ter meu corpo atrofiado e alienado em um sistema que não apenas o deslegitima como meu, mas também tenta me convencer que é algum tipo de pecado ser dona de meu corpo e amá-lo, e proporcioná-lo prazer. Sistema que também produz tortura ao meu corpo por meio de salto-altos, roupas apertadas demais, tecidos que agridem minha transpiração natural e tantos padrões corporais que podem me levar a facilmente me voluntariar a mal tratar meu corpo para alcança-los.
 Milhões de pensamentos me invadiram. A história da opressão ao feminino, e também a história da religião.... transbordavam, milhões de pensamentos em alguns poucos segundos.
 E em seguida:
                                            SILÊNCIO



Um silêncio de uma vibração que ecoa!

                                                                         SiLêNcIo

                     O silêncio de um corpo que estava renascendo.

                                                                                                   silêncio


 O silêncio se foi. Chorei, emocionada. E assim que limpei a lágrima andei até o amplo espelho na porta direita do guarda roupa.
 Encarei meu corpo enquanto passava a mão por ele. Eu estava me enxergando com olhos que nunca antes me viram.
 Então num súbito romper de energia comecei a pular e a dançar sem musica alguma! Eu dancei e festejei aquele momento.
Igualmente num rompante parei de dançar, e fitei meu reflexo, sorridente.

 Tive certeza que meu corpo nunca mais seria esquecido por mim.
 Aquela noite dormi nua.
 Meu espirito não fugiu, Não fui assombrada, E tão pouco fiquei resfriada!

Muitas outras noites dormi nua.

Finalmente MEU corpo!

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